“O doente recusava-se a urinar, com medo de provocar um dilúvio.”
Sorano, 93 – 138 dC
Sorano, 93 – 138 dC
Como poderemos separar o normal do patológico, considerando a personalidade do indivíduo?
Caráter? Temperamento? Comportamento, ações e atitudes?
Muito subjetivo, não é? mas quando adentramos o mundo psicológico, neurológico e psiquiátrico, poderemos vislumbrar as conexões entre mente X cérebro, alma X espírito, e aí navegaremos em um universo quantitativo e qualitativo de sintomatologia multifacetadas e produzidas por uma disfunção específica que altera, transforma, modifica, escancara ou mascara a realidade.
Anatomia? Fisiologia? Nada é excludente nesse processo, inclusive o ambiente, o contexto onde se desenvolve a cena, real e ou irreal, onde fantasia e realidade se fundem num painel que se mostra surpreendente em sua ruptura, e recepção dos processos neuronais, em regiões específicas que produzirão episódios psicóticos, como é o caso da esquizofrenia.
Essa doença intrigante e que vem acompanhada de prejuízos cognitivos, neurofisiológicos, funcionais, neuroquímicos e estruturais.
Fico imaginando, o que adormecido estava no genoma humano, e como foi despertado... a ativação desses genes, que certamente possuem falhas específicas, que contribuem no surgimento da esquizofrenia.
Uma doença que consiste em um ataque profundo à afetividade, à volição, com manifestações de distúrbios intelectuais, impulsividade, agressividade e estereotipias amaneiradas.
Esse termo “Esquizofrenia” refere-se a uma “mente dividida”, sendo a interceptação do pensamento o sinal ou fator patognomônico da esquizofrenia, e um indescritível comprometimento na expressão dos afetos, pois aquilo que os chocava anteriormente, agora é motivo de divertimento e atitudes paradoxais e absurdas.
Isto não significa que o processo patológico destrua a afetividade, mas desestrutura sua exteriorização, organização e funcionalidade, resultando em uma antipatia ao comércio com o mundo, aparecendo sentimentos de indiferença e ou hostilidade, traduzida por manifestações verbais e motoras, ambivalentes e negativistas.
Podemos falar de um tripé sintomático, onde se manifestam os distúrbios: rigidez afetiva, ambivalência na representação mental dos sentimentos e autismo ou fuga pela interiorização, acompanhada de alucinações e processos delirantes, caracterizando assim, uma psicose manifesta através da tragédia emocional que se esconde ou se apresenta na conduta explícita.
Difícil não se especular em psicologia, no entanto, podemos verificar um contato empobrecido e desadaptado à realidade, isto é notório, quando observamos que existe uma redução ou exagero nos aspectos emocionais e afetivos, é como se houvesse uma perplexidade diante da vida, uma sensibilidade a fatos insignificantes, geradores de desconfiança e uma verdadeira transmutação em seus julgamentos, crenças e juízos.
A perda do contato vital com a realidade, característico da instalação de um processo de despersonalização, como no caso de risos imotivados, gestos e tiques extravagantes, maneirismos e estereotipias desconcertantes, indicadores da desagregação mental.
É comum encontrarmos condutas bizarras e excêntricas, sendo possível observarmos os suicídios sem desespero, fugas inexplicáveis e homicídios sem sentimentos de culpa ou remorso, oscilando entre agitação, puerilidade saltitante ou uma extrema anestesia e estupor nos gestos e ações delirantes.
Na psicopatologia esquizofrênica, as alterações do pensamento assumem um critério mágico, característico da mentalidade infantil, onde se nota a disfunção mental no conteúdo e na elaboração do pensamento, o que afeta notavelmente a sua expressão, sendo difícil entender o sentido da linguagem esquizofrênica, devido à falta de espontaneidade e excessiva rigidez no diálogo.
O pensamento esquizofrênico é extravagante e fragmentado, recheado de ideias delirantes, cuja temática gira em torno de ocorrências cósmicas, metafísicas, religiosas, místicas e eróticas, predominando complôs, e ideias persecutórias de conteúdo político ou sexual.
Preocupações descabidas evidenciam uma escassa racionalidade de suas criações ilógicas, revestidas de um caráter absurdo em termos de argumentação e autocrítica.
Observa-se um desacordo entre as ideias delirantes e o comportamento, por exemplo, acredita que desejam envenená-lo através da comida, no entanto come despreocupadamente sua refeição, ou diz ser uma famosa autoridade de outro país, enquanto se abaixa para apanhar no lixo um toco de cigarro.
Predominam distúrbios senso-perceptivo, sendo as alucinações mais psíquicas que sensorial, é como se fosse um estado onírico constante, onde o indivíduo se sente incapaz de fazer uma distinção clara entre sonho, fantasia e a realidade ambiental.
É comum a ocorrência de pseudo percepções auditivas e visuais, são mais raras as alucinações olfativas e gustativas, já as pseudo percepções motoras, ocorrem em uma parcela significativa da esquizofrenia catatônica (imobilidade ou agitação, ou seja, distúrbios psicomotores, tipo hipercinesia ou estupor, passível de posições estranhas, numa espécie de rigidez de cera) e muitos afirmam levitar, voar e realizar movimentos independentes de sua vontade.
Quanto às alucinações viscerais ou cinestésicas, comumente ocorrem na área genital, onde sentem manipulados em seus órgãos e delirantemente obrigados a relações sexuais anormais ou não, com seres que às vezes não conseguem identificar.
A linguagem esquizofrênica apresenta-se em alguns casos, misteriosa e obscura, outras vezes existe um tom pedante e rebuscado, indo da fala monossilábica à logorréia interminável ou mutismo encapsulado, este diferente da afasia, pois o paciente de repente resolve responder a uma pergunta ou interromper o seu silêncio.
Enfim, a linguagem é afetada por maneirismos, gestos ritualísticos, grunhidos de caráter individualizado e estranhos, indo do discurso incompreensível ao monólogo autista, com um colorido artificial e excêntrico, sendo muito comum o uso de neologismo e estereotipias verbais (verbigeração: repetição de frases ou palavras, por longos períodos), especialmente na forma catatônica.
Quando analisamos os desenhos de pacientes portadores de esquizofrenia, verificamos uma riqueza de simbolismos e um estilo repetitivo de temas geométricos, que lembra o cubismo, com elementos desagregados pela justaposição arbitrária das partes, evidenciando o caráter mórbido da rigidez esquizofrênica.
No plano afetivo, verifica-se uma anestesia dos afetos, ou seja, uma dificuldade na expressão de suas emoções, sendo impenetrável evidenciarmos as causas da discordância entre sentimentos e ações, o que caracteriza a ambivalência (quer e não quer) e finalmente uma interiorização que o leva ao isolamento, indiferença, hostilidade, como se desconhecessem os valores ético-morais, e assim adentram o mundo da marginalidade através de condutas criminosas.
Os pacientes esquizofrênicos de modo geral apresentam as extremidades frias, aquela mão desenergizada ao toque, dedos cianosados, coração com bradicardia, hipotensão, sialorréia (secreção excessiva de saliva) e profundas alterações endócrino-metabólicas.
A esquizofrenia acomete 1% da população mundial, sendo raro seu aparecimento antes dos 10 anos de idade ou após os 50 anos.
Ainda não podemos falar em cura, mas em melhoria dos sintomas, e em reabilitação, pois o tratamento visa reduzir e controlar sintomas com recidivas de novos surtos psicóticos.
Esta doença atinge todas as classes sociais e grupos humanos, mas é possível o tratamento, com acompanhamento médico-medicamentoso e abordagens terapêuticas de intervenção, como a psicoterapia, a terapia ocupacional, a intervenção familiar e psico educacional.
É uma doença que fragmenta a estrutura básica dos processos do pensamento, dificultando a distinção entre o que é parte do mundo interno e das experiências externas.
Importante se faz realizar um diagnóstico diferencial devido etiologia multifatorial, sendo necessário a exclusão de outras doenças ou condições que poderiam produzir sintomas psicóticos parecidos com a esquizofrenia, como tumores cerebrais, alterações metabólicas, epilepsia e abuso de drogas.
A família é fundamental para um bom tratamento, reabilitação e reinserção social, esta deve se preparar, informar-se sobre recaídas e oferecer suporte através do reforço positivo, afeto e interesse.
Ficamos por aqui, e nesse momento me recordo da comunidade científica que tiveram como representantes magistrais, dois homens formidáveis: o inglês, Isaac Newton e o alemão, Albert Einstein e que foram rotulados por parecerem carregar uma “tendência esquizofrênica”, no entanto, proporcionaram para a humanidade as duas principais contribuições da física moderna: (Leis da Gravidade e a Teoria da Relatividade), tudo graças à genialidade e originalidade de suas mentes.
Deijone do Vale
Neuropsicóloga