Tudo bem: você poderá entrar nos meus sonhos, mas se deixar eu entrar nos seus...
Deijone do Valle
Gosto mesmo de atender pessoas apaixonadas, talvez por me identificar com elas, pela ousadia e bravura ou pelo medo e dor.
E você está apaixonado? Você é solteiro ou casado? Você está feliz?
Você é um daqueles que renunciou seus limites para que juntos se tornem um? ou atravessa a vida solitário?
A película da vida pode nos ser tirada a qualquer momento, e talvez nossos desejos mais profundos nunca se realizem.
Muitas pessoas passam pela vida à procura do amor, e certamente outras tantas encontram o amado de suas almas, e outras vivem de fantasias.
Afinal, também somos seres de fantasias, essa aventura particular de um mundo velado por segredos, e realmente ninguém está sozinho no reino dos desejos e do faz de conta.
Isso me recorda do romancista americano, Jonathan Ames, Wake Up Sir! (Acorda, senhor!): “Imagino que todos, queiramos saber os segredos das outras pessoas para que possamos conviver com os nossos próprios”.
Fantasias! esse conteúdo privado de nossas mentes, que muitas vezes espelham fragilidades, conflitos, crises, angústias, autoconsolo e mesmo defesas contra a construção de relacionamentos, na verdade uma defesa contra a intimidade, e uma forma de manter outros a distância.
Fantasias constituem um componente universal da condição humana, uma verdadeira impressão digital psicológica que fornece dados da história de vida do sujeito, e que pode propiciar prazer e dor simultaneamente, e que têm origem em experiências traumáticas ou não, ocorridas no início da vida.
Fantasias são paixões íntimas, originadas da mente e algumas são extremamente prazerosas, outras perturbadoras.
Como psicoterapeuta, costumo ouvir o paciente, com três ouvidos: ouço o que me diz, mas também o que não é dito, procurando entender o não revelado, não verbalizado, mas que posso ler nas entrelinhas e que permanece secreto, até mesmo para o próprio paciente.
É exatamente com o meu “terceiro ouvido”, que concentro todo meu empenho para oferecer suporte ao paciente, para que ele também se ouça, colocando-me como um espelho para sua alma e fazendo eco no abismo de sua consciência.
Mais, voltemos às fantasias, essa trilha sonora mental particular, de pensamentos secretos, escondidos e camuflados nas esquinas da alma, manifestados muitas das vezes, em conteúdos sexuais e expressos numa mistura incongruente de repulsa, compulsão e gratificação.
Freud, o pai da psicanálise, magistralmente afirmou que as forças que motivam as fantasias, são de defesa contra os desejos não satisfeitos e sendo assim, toda fantasia é a realização do desejo, e foi além, quando afirmou que os sonhos é a estrada real para o inconsciente.
Fantasias revelam desejos subterrâneos da mente, e de quem habita essa mente, e que nos fala de conteúdos da história prévia de cada um, suas vivências, e o significado oculto que é encontrado em nossa realidade emocional e que geram nossos fantasmas secretos.
A capacidade de criar fantasmas é natural, indicando o funcionamento mental e psicológico da condição humana e que, independente do quanto “normal” ou “anormal”, estes “fantasminhas camaradas” ou não, se manifestam com fortes conteúdos de impulsos eróticos, e que determinaram a carga emocional de desejos violentos e poderosos, ou pacíficos e superficiais.
Nós psicoterapeutas, naturalmente temos acesso aos conteúdos mais dolorosos do mundo psicológico do outro, onde podemos mensurar a dimensão da desestruturação ocorrida por traumas psíquicos de toda ordem, como violência, rejeições, abandono e uma gama variada de abusos.
Fantasias podem ser fonte de gratificação e também de tormento, esses filmes secretos da mente humana, sendo inegável o reconhecimento de cunho psicológico oculto e por trás da fantasia.
Nossa sobrevivência depende muito dos relacionamentos construídos durante a existência, e talvez a intervenção mais poderosa para impactar e dar sentido à vida, seja o amor e a intimidade.
Amor e intimidade promovem mudanças significativas no estilo de vida e tem um papel importante na saúde, seja física ou mental.
O que tenho a ver com o outro? Tudo!
Relacionamentos estão na base dos fatores responsáveis pela saúde ou adoecimento.
“Abra o seu coração”, aliás, a doença cardíaca, tão presente em nossos dias, não supera a depressão que tem levado muitos ao isolamento e sofrimento, assim como comer compulsivamente, fumar e beber descontroladamente, enfim, ter uma morte prematura devido ao modus vivendi de forma autodestrutiva, (suicídios, acidentes e doenças).
Qualquer coisa que te faz viver no ostracismo e no esquecimento, certamente irá te conduzir rapidamente ao adoecer e ao sofrimento.
O sofrimento salta aos olhos e todos querem de alguma forma amortecer sua dor, mas isso é inútil, o melhor é a mudança do estilo de vida, e ponto final.
Mas você insiste em querer eliminar a dor?
Meu querido amigo, a dor é só uma mensagem, uma possível informação de alerta.
Quando as emoções vão bem, e o espiritual também, o físico acompanha, então, mude o seu modo de viver.
Quando lemos sobre os prisioneiros de Auschwitz, um campo de concentração nazista da Segunda Guerra Mundial, onde pessoas jovens e saudáveis desistiram e morreram, outros frágeis e velhos sobreviveram. Por quê?
Porque sobrevivência não é meramente uma condição cronológica ou de doenças apenas, ela ultrapassa os estreitos limites da nossa capacidade física e vai além, como aprender a dar sentido e foco à vida.
Pessoas que passaram por situações de “quase morte”, mudam radicalmente, isto porque foram capazes de dar atenção ao sofrimento e valorizar outras coisas, que não percebiam anteriormente.
Lógico, que não vou dizer para você: Nossa! foi “ótimo” você ter “quase morrido”, não é? mas que o sofrimento é um “ótimo” alquimista, não tenho dúvida nenhuma, e a probabilidade de transformação da sua vida para melhor.
Experiências extraordinárias e que envolvem a própria vida, geralmente nos faz entrar em contato com valores que às vezes subestimamos, e isso é possível, mesmo quando imensurável.
Já ouvi muito: “...se eu pudesse dormir e nunca mais acordar, seria ótimo...”
É muito engraçado, tropeçamos em nossos fracassos, mas tropeçamos também no nosso sucesso.
A grande verdade é que nossos vazios existenciais, jamais serão preenchidos com dinheiro/fama/status/beleza/poder, o que temos a fazer é experimentar o amor e a intimidade.
Esse poder de “intimidade”, vai muito além do nosso instinto sexual, de sobrevivência e defesa, é preciso compaixão, mais humanidade e mais amor.
Amor x intimidade, então é “abrir o coração”, e muitas vezes o processo de se descobrir é mais interessante do que as respostas.
Sou um arquivo vivo dessas mudanças, que tento implementar em minha própria vida, e sei que não é uma tarefa simples e fácil, essa sensação de isolamento, os erros que cometi, os acertos que aprendi e tudo que fui construindo ao longo do caminho.
É através de um apurado senso de percepção, esse ato de perceber conscientemente nossos pontos cegos, e ter um “coração aberto”, afinal o que somos reforça ou fragiliza o nosso “estar no mundo” e somos afetados pelos relacionamentos.
Reza a lenda que o cientista francês Louis Pasteur, em seu leito de morte expressou: “Le germe n’est rien c’est le terrain qui est tout” - (“O micróbio não é nada, o solo é tudo”).
Então, o que somos, é tudo!
Nossos corações criam armaduras, carapaças bem defensivas para nos protegerem, mas estas mesmas defesas, nos impedem de criarmos vínculos, e podem nos isolar, se estiverem sempre em prontidão, se nada e nem ninguém, nos pareça seguro o suficiente, para derrubar essas muralhas de Jericó.
“Abrir o coração” significa uma disposição interna de torná-lo vulnerável e aberto ao outro.
Infelizmente só poderemos construir uma intimidade, de conformidade com o nosso grau de disposição para sermos abertos, e vulneráveis à proximidade do outro.
Temos medo de intimidade, mas sinto te dizer, só é livre quem é capaz de ter intimidade, e só podemos exercitar a intimidade na medida em que formos vulneráveis.
Por temermos as mágoas e feridas emocionais, ficamos na superfície e não aprofundamos os laços afetivos, mas a intimidade pode ser libertadora e curativa, na medida em que se decide tornar-se vulnerável ao outro.
Relacionamentos é como abrir poços, você pode abrir um poço profundo e alcançar uma fonte de água abundante, ou ficar abrindo centenas de poços rasos que nunca produziram nada.
Você se sente amado? Amado porque é especial? ou sente-se especial, porque é amado?
A verdadeira graça não é apenas ser amado, é aprender a amar.
Nesse caminho tem um coração?
Se a resposta for “não”, procure outro caminho.
Um caminho sem coração nunca é agradável.
O que importa é o amor.
É melhor correr o risco de ser cada vez mais vulnerável, e mesmo que uma vez ou outra, possamos ser magoados, nós certamente definiremos nossas escolhas, através do comprometimento ou não nos relacionamentos.
Eu escolho a vida!
E ser vulnerável é a porta para a intimidade e o amor, vivendo o melhor de você, no outro.
Deijone do Valle
Neuropsicóloga