“A busca de auto transcendência através de drogas ou... umas férias químicas de si mesmo... a maioria dos homens e mulheres levam vidas tão dolorosas – ou tão monótonas, pobres e limitadas, que a tentativa de transcender a si mesmo, ainda que por alguns momentos, é e sempre foi um dos principais apetites da alma”.
(Aldous Huxley, escritor inglês)
A Síndrome de dependência alcoólica é notadamente um grave problema de saúde pública e tem como balanço sinistro uma privilegiada posição no ranking de fatores de risco para a morte prematura.
O álcool é uma droga depressora do SNC (Sistema Nervoso Central), que reduz a nossa atividade cerebral, diminuindo a ansiedade, a atenção, a memorização, a concentração e reduzindo acentuadamente a atividade motora e a capacidade intelectual.
O uso abusivo altera os estados de consciência, modifica o comportamento provocando danos para o Sistema Nervoso Central (SNC), além do potencial de desenvolver dependência.
Considero o álcool uma das drogas mais negligenciadas, do ponto de vista preventivo, de diagnóstico e de tratamento, pelos profissionais da saúde.
O que leva um indivíduo à dependência do álcool?
Qual é a motivação para utilizá-lo?
Alívio de tensões? Angústia? Tristeza? Fuga? Compulsão? O efeito euforizante? Diminuição das inibições?
Poderíamos elencar uma série ilimitada de motivos para beber, a despeito da evidência clara das consequências nocivas.
Descobrir a motivação que leva um indivíduo a beber é a melhor forma de diagnosticar a doença, e uma ferramenta fundamental para o êxito do tratamento, tanto para a redução dos danos causados a si mesmo e principalmente aos que não bebem.
É inegável o uso elevado na população, em todas as classes sociais, e notório os pesados sofrimentos físicos, morais e psicológicos dos usuários, e de suas famílias.
Basicamente as drogas de abuso, como é o caso do álcool, possuem um mecanismo neurobiológico comum, aumentam a liberação do neurotransmissor dopamina na via mesolímbica, gerando a sensação de prazer, uma via de circuitos neuronais, responsável pelo sistema de recompensa cerebral.
O alcoolismo crônico é geralmente silencioso durante longos anos, preparando sem ruídos, insuficiências viscerais múltiplas e uma degradação progressiva do SNC, sobre cuja base deflagarão bruscamente quadros de delírio agudo e subagudo.
Às vezes uma simples privação do álcool, basta para desencadear sintomas delirantes violentos, logicamente levando em conta também o feitio pessoal de constituição psíquica.
O álcool tem sido considerado o principal combustível para a violência doméstica.
Estatísticas revelam que metade dos crimes praticados e sessenta por cento dos acidentes de trânsito, as pessoas estavam alcoolizadas, elevando consideravelmente os índices de morbidade e mortalidade.
O que é então o alcoolismo?
Uma doença crônica que traz em seu bojo prejuízos psicossociais, afetivos, familiares e neuropsicológicos, pois afeta diretamente o SNC, desenvolvendo quadros demenciais, déficits cognitivos, afetando a memória, abstração, e as funções executivas (como planejamento, resolução de problemas e ações).
O álcool inibe os disparos neurais e compromete todo o sistema perceptual, causando danos cerebrais como a Síndrome de Wernicke-Korsakoff (transtorno significativo com perda de memória, caracterizado por amnésia para eventos atuais e passados com desorientação no tempo e no espaço), devido lesões subcorticais e atrofia cortical, principalmente ocasionada pela deficiência de tiamina (vitamina B1).
A adolescência é um período de grande risco para o envolvimento com substâncias psicoativas, como é o caso do álcool, pela necessidade do adolescente ser aceito em seu grupo, sensação de onipotência, início do envolvimento afetivo, aumento da impulsividade e busca de sensações novas.
O risco do adolescente abusar de drogas como o álcool, está diretamente relacionado na equação entre o número e o tipo de fatores de risco e fatores de proteção.
Os fatores de proteção, especialmente à família, um bom relacionamento familiar, supervisão e monitoramento dos pais em relação ao comportamento de seus filhos, assim como noções claras de limites, valores familiares, de religiosidade e espiritualidade.
São também fatores de proteção, a escola através do envolvimento em atividades esportivas, a música e o estímulo ao bom desempenho acadêmico.
Quanto aos fatores de risco podemos assinalar que estes podem variar, desde fatores ambientais, familiares e individuais desfavoráveis, sendo a fácil acessibilidade das drogas na sociedade, um forte fator de risco.
Conflitos e estrutura familiar disfuncional, situações estressantes, baixa auto-estima, agressividade, rebeldia, transtornos psiquiátricos (depressão, ansiedade e outros transtornos de personalidade e ou comportamental), são gatilhos para o risco.
Abusos físicos ou sexual também são fatores de risco, sexualidade precoce, amigos usuários, enfim, as próprias características genéticas e familiares.
O uso do álcool pelas gerações precedentes tem condicionado necessidade genotípicas precoce e suscetibilidade orgânica.
Como explicar a predisposição para o alcoolismo?
É multifatorial, uma interação de elementos genéticos, psicológicos e ambientais. Essa somatória é que sustenta a dependência alcoólica.
Vamos imaginar as fases da embriaguez representada por três animais: macaco, leão e porco.
Estes estágios da intoxicação alcoólica obedece a uma sintomatologia:
Fase da Euforia ou do Macaco: todo desinibido, alegre, engraçado e cheio de “macaquices”, loquacidade e aumento da auto-confiança.
Fase da Excitação ou do Leão: o comportamento muda bruscamente, os sintomas estão relacionados com a instabilidade e prejuízos da percepção. O indivíduo torna-se valente, oscilando entre o erotismo e a agressividade que vai cedendo a um estado emocional de fala arrastada, marcha ziguezagueante com retardo da resposta reativa.
Fase do Estupor ou do Porco: predomina uma inércia generalizada, seguida de vômito e incontinências (vesical e esfincteriana), com prejuízo da consciência, sendo visível o descontrole das funções fisiológicas, em que todo o sistema metabólico expressa a disfunção.
A evolução dos estágios leva o indivíduo ao Coma, devido aos prejuízos do sistema cardiovascular, queda da temperatura corporal, com abolição dos reflexos, o que caracteriza a possibilidade de evoluir para óbito.
O último estágio certamente é a morte por bloqueio respiratório central.
Decididamente, o alcoolismo é uma doença crônica, onde existe um desejo incontrolável pela bebida, perda de controle (não consegue parar após iniciar) e no período de abstinência apresenta intensa ansiedade e tremores nas extremidades, e finalmente “tolerância” (sempre necessita de maiores quantidades).
Problemas clínicos de toda ordem ocorrem, desde a neuropatia periférica (formigamento e dormência nas mãos e pés), confirmando uma irrigação precária de oxigenação no sangue do individuo.
O sistema gastro intestinal fica falido em consequência das inflamações do esôfago, do estômago, o que poderá levar à sangramento, além de enjôo, vômito e perda de peso.
O fígado é lesionado, como no caso da cirrose hepática, muito comum em alcoolistas crônicos, fibrosando as células hepáticas, e impedindo o fígado de realizar a purificação do sangue, depuração de nutrientes, e o resultado disso é a falência hepática, a ascite, acúmulo de água no abdômen (barriga d’agua), levando o alcoolista lentamente para a morte.
E o coração? pobre coração... pode apresentar lesões que por sua vez provoca arritmias e ocorrência de AVE (Acidente Vascular Encefálico), sendo relativamente comum após a ingestão de grandes quantidades de bebida.
Álcool e medicamento é outro agravante que afeta as condições clínicas como úlcera gástrica e hipertensão arterial.
O estado mental do alcoolista crônico sofre embotamento da moralidade, apagando da consciência dos bebedores, todo e qualquer sentimento da própria responsabilidade, prejudicando notavelmente a sua adaptação social, tornando-se desagradáveis e inconvenientes através de grosserias e perturbações da conduta moral.
É possível observarmos déficit afetivo sobre o embotamento intelectual, mais embrutecido do que demente, mas obnubilado do que enfraquecido na sua atividade mental.
Constata-se mais dismnéia que amnésia sendo a memória mais preguiçosa do que ausente, ela está diminuída em seu exercício, mas não abolida em sua existência.
Ressalto a importância de detectar os problemas de uso abusivo o mais cedo possível, pois o trabalho e intervenção precoce poderão reduzir problemas futuros e quanto mais cedo é o uso, maior é o risco de dependência.
O tratamento poderá ser farmacológico, psicológico, com grupos de auto ajuda, através de comunidades terapêuticas, enfim uma ação integrada com equipes multidisciplinares, que promovam estratégias para lidar com a dependência alcoólica de forma objetiva, persistente e afetiva.
No tratamento é necessário a abordagem de três pilares: o da tolerância, ou seja, que quantidade de bebida o individuo usa para obter o mesmo efeito, o da abstinência, que demonstra o nível de desconforto sentido devido a interrupção da bebida, e os hábitos sociais e recreativos da pessoa, o que o aproxima da bebida.
Lembrando sempre que toda intervenção deve iniciar primariamente pela desintoxicação, que poderá ser realizada através de medicação, seja no próprio domicilio ou em regime de internação.
Quanto á família do alcoolista, a dinâmica familiar de certa forma, passa a ser regulada pelo comportamento do usuário de álcool, é a co-dependência, sendo necessário suporte psicológico para a família inteira, pois o lar fica alcoólico.
Fecho este artigo, na certeza de que um forte desconforto subjetivo interno tem levado tantos à dependência do álcool, numa tentativa frustada em lidar com o mundo interno e externo.
Mas fica também a certeza de que uma pessoa é capaz de renascer e re-projetar a própria vida em direção à autonomia e à liberdade.
Deijone do Vale
Neuropsicóloga
Maravilhoso esse seu artigo apesar de se tratar de algo que e comum em nosso meio, e é tratado de uma forma normal.
ResponderExcluirBeber é tratado como um ato de entrosamento social , pessoas se unem em uma mesa aliados a copos cheios de morte.
Não tenho nada contra bebida faço até o uso ! mais me decepciono muito em ver como as pessoas perdem o controle de seus instintos maléficos aflorarem. Temos uma natureza má mais se tivermos amor mudaremos muitas coisas em nos , e esse amor começa em amarmos a nos mesmo e nos cuidarmos não perdendo o controle.
vanessa morato