Quando tentamos analisar o que leva um indivíduo a se tornar viciado, não encontramos uma resposta satisfatória, não estamos ainda em condições de definir o tipo de personalidade capaz de orientar o indivíduo no sentido do tóxico.
Logicamente indivíduos bem ajustados emocionalmente e sem ansiedades anormais, apresenta suporte interno para enfrentar as vicissitudes do cotidiano, sem necessidade alguma de entorpecer suas emoções.
Geralmente os viciados só chegam aos nossos consultórios em plena toxicomania, já portadores de alterações neuropsicológicas que dificultam a avaliação exata da personalidade original.
É possível observarmos alguns traços constitucionais conducentes ao desenvolvimento da dependência ao tóxico, principalmente naqueles indivíduos atemorizados, para quem a vida representa uma constante ameaça e que possuem um baixo limiar de tolerância à frustações, são pessoas extremamente inseguras e que farejam catástrofes, entram em pânico facilmente e se desesperam frente às demandas da própria vida. Outros, totalmente dependentes, querem da vida unicamente o lado bom, sendo o entorpecente um refúgio, ainda que transitório, de realidades que por serem difíceis, ele procura negar a qualquer preço.
Veja bem, a procura inicial pela droga coincide com situações ambientais adversas, é o caso por exemplo, dos infelizes amorosos que afogam suas desiluções no álcool ou em outras drogas, ou como diríamos nós psicólogos, buscam alívio no vício para as ansiedades complexas implícita na experiência de rejeição, de pânico ante a solidão, de audesvalorização e raiva por sentir-se abandonado.
O entorpecente abranda as tensões inibitórias provenientes da censura, ou do juízo crítico e desta forma facilita a expressão de impulsos inaceitáveis do ego.
Infelizmente o consumo de drogas está nos primórdios da história da humanidade. Na segunda metade do século XIX, o químico alemão Albert Niemann, conseguiu isolar o elemento com o princípio ativo da planta coca e que era utilizado como analgésico (cocaína).
Dados do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV - (1995), informa que em meados de 1984 houve um aumento no uso da cocaína com a introdução do Crack no mercado, um alcalóide em formato de pedra e passível de ser fumado, sendo o crack um derivado potente da cocaína bruta, não refinada.
Hoje a questão do consumo de drogas é um grave problema de saúde pública no mundo, é algo assustador, complicações médicas, psicológicas e psiquiátrica com elevação dos índices de morbidade e mortalidade.
A absorção da cocaína é realizada , geralmente pela mucosa nasal ou bucal, onde o pó é esfregado e assim a droga consegue passar pela rede de células que separam o sangue do cérebro, ou seja, a barreira hematoencefálica e chegam rapidamente ao SNC (Sistema Nervoso Central), e uma vez no cérebro afeta o comportamento.
No início observa-se ligeira tontura e cefaléia, logo segue uma hiperatividade mental e bem-estar, neste período a pessoa torna-se ativa, falante, espirituosa e isenta das sensações de fadiga e fome.
A embriaguez cocaínica apresenta ilusões de conteúdo agradável, móveis, vivas de objetos e seres de tamanho reduzido, são chamadas alucinações liliputianas.
Dupré referiu-se a esta embriaguez pela cocaína de “felicidade em movimento”, no entanto esta hiperatividade mental, pouco a pouco cede a um humor oscilante, irritabilidade, indiferença e desconfiança.
Em indivíduos com intoxicação crônica é comun os delírios de perseguição, especialmente de ciúmes acompanhados de visões de igual conteúdo e as alucinações são múltiplas, fragmentadas e móveis, geralmente seguidas de impulsos agressivos.
Outro tipo de alteração mental dos viciados crônicos da cocaína é um certo puerilismo, preocupação excessiva com detalhes banais e fuga de idéias.
A sintomatologia física desta toxicomania revela pupilas dilatadas, emaciação (emagrecimento), inapetência, palpitações e secura das mucosas com polidipsia (sede excessiva).
Em mulheres, estas referem excitação libidinosa com tendência a prática perversas (sado-masoquistas) e os homens rapidamente tornam-se impotentes.
A degradação moral e ética vai tomando forma na vida do viciado que negligencia suas obrigações, vai se desinteressando da família e do trabalho, substituíndo-os pela companhia de outros viciados, vagabundos e prostitutas.
A degradação física, mental e moral se instala e a morte pode sobrevir em forma de um ataque cardíaco, por parada cardio-respiratória ou mesmo através de doenças oportunistas devido ao estado de fraqueza geral do viciado.
Quanto aos sintomas de abstinência e quando privados do tóxico, desenvolve incômodas parestesias (sensação de vermes e insetos sobre a pele), é comum também alterações gástricas, depressão e alucinações aterradoras.
O prognóstico é grave, mas não podemos desistir jamais, as vezes é imprescindível a internação clínica, pois de outro modo fica difícil controlar as atividades do paciente e impedir a aquisição do tóxico. É necessário medicação específica, e também a psicoterapia, com o objetivo de promover o ajustamento do paciente em bases psicológicas favoráveis, sob pena de reicidência.
Equipes multidisciplinares devem interagir para dar suporte e influir sobre as realidades ambientais, no sentido de dar direção à vida da pessoa em reabilitação, promovendo escolha de atividades que tenham identificação com as necessidades reais do paciente.
Caro leitor, a recuperação de um viciado em cocaína é um longo caminho a ser percorrido e este deve ser realizado com passos de perseverança, paciência, esperança, fé em Deus e muito amor.
Encerro este artigo com um dos versos do poeta britânico do século XVIII, Alexander Pope: “Você compra a dor com tudo que a alegria pode oferecer, e não morre de nada senão do desejo de viver”.
Deijone do Vale
Neuropsicóloga
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