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terça-feira, 2 de abril de 2013

Irresistível Impulso



...não somos nós mesmos
Quando a natureza, ao sentir-se oprimida, ordena à mente
Que sofra com o corpo.
 SHAKESPEARE,  Rei Lear


Imagine você, tendo um impulso irresistível para furtar aquele pequeno vidro de perfume, de que você não precisa e nem verdadeiramente deseja.

O gesto furtivo quase involuntário de suas mãos agarra o objeto,     enquanto seus olhos piscam alucinadamente, fitando hipnotizado o frasco de perfume ordinário.

Sente que suas têmporas latejam num furor ardente, sua garganta está seca, o suor escorre em pequeníssimas gotículas deslizando pela testa e naquele instante experimenta uma tensão enorme e crescente, como o ribombar de um trovão.

 A adrenalina derrama-se feito um filete de mel inundando o seu interior, num misto de extremo prazer e alívio.

Após o furto, o cérebro libera uma boa quantidade de dopamina, acionando o sistema límbico, ocasionando uma intensa emoção prazerosa de recompensa, é como se um delicioso chocolate quente escorresse suavemente pela sua garganta, acalmando o estomago nauseado pela tensão.

Aperta com força o pequeno frasco e vai embora, levando-o na bolsa.

Mas, como  em um filme de câmara lenta, aquela euforia e bem-estar, vai dando lugar a  uma sensação de estranheza.

Retira o pequeno perfume da bolsa e aspira sofregamente o seu odor, o cheiro enche suas narinas como uma bofetada, e uma sensação de culpa, arrependimento, vergonha e remorso invade sua mente.

Atira longe o pequeno frasco, que se parte em mil pedaços, assim como o seu coração, a inutilidade do objeto é como o leite derramado no caríssimo tapete persa.

Olhe para a furtadora de perfume: aparentemente alguém comum, completamente normal, nada que identifique o descontrole emocional ou algum traço à mostra que indique desordem mental, a não ser o impulso compulsório de furtar.

Falta de caráter? O quê? Moral comprometida? Decididamente NÃO!

É uma patologia chamada cleptomania, uma doença psiquiátrica, geralmente crônica, com breves, médios ou longos períodos de remissão.

A manifestação da cleptomania está condicionada a uma extrema ansiedade e impulsividade incontrolável de furtar, geralmente objetos sem grandes valores monetários.

O psiquiatra suíço André Matthey foi o primeiro a utilizar o termo Klopemanie para aqueles indivíduos que cometiam roubos impulsivamente de objetos irrelevantes , mais tarde os médicos franceses Marc  e  Jean  Esquirol, alteraram o termo para Kleptomanie, atribuindo o ato de furtar a uma doença mental, e realmente, é um transtorno de controle dos impulsos.

A falha em resistir ao impulso de furtar se traduz numa crescente ansiedade antes do ato, o alívio emocional subjacente apoia a hipótese de uma disfunção ou falha na produção dos neurotransmissores responsáveis pelo controle dos impulsos.

O sujeito portador da cleptomania, vivencia a angústia do ato, e muitas e muitas vezes sofre silenciosamente a vergonha, a incompreensão interna e externa.

O diagnóstico da cleptomania, geralmente não é algo fácil, envolve o sistema legal de leis, e distinguir um ladrão que burla a lei de um cleptomaníaco é tarefa árdua, mas não impossível, e em algumas situações, esbarra no desejo do cleptomaníaco de se esconder devido a vergonha, por isso não buscam tratamento especializado.

A cleptomania prejudica a vida social, familiar e ocupacional do indivíduo, motivando discussões acaloradas entre judiciário, psiquiatria e neuropsicologia.

O início pode ser na infância ou no final da adolescência e continuar anos a fio.

Outra hipótese é um sentimento de solidão vivenciado pela pessoa, como sentimentos de insegurança, uma carência psíquica por carinho e atenção.

Interiorizamos formas de autocompensação pela falta de atenção, de carinho e diálogo, que por sua vez poderá desenvolver disfunções emocionais e comportamentais.

Ansiedade demasiada para o psiquismo infantil poderá resultar em transtornos comportamentais e em patologias, expressando uma falta, uma necessidade não suprida ou negligenciada.

Conflitos emocionais afloram através de episódios mal resolvidos, estímulos aversivos que incidem sobre a mente infantil, desembocando em doenças.

São aquelas angústias encarceradas que não se expressam de forma adequada e saudável.

Pense em um quadro mental,  uma criança, um pequenino sózinho em seu quarto, no escuro, ouvindo os pais brigarem, se agredirem física ou verbalmente.

Qual é o impacto disso sobre o psiquismo infantil?

Sente-se indefeso, sozinho, e lá na escola... Ah!  a escola... Começa a furtar pequenos objetos que acaricia em seus momentos de solidão.

Isso pode ser a expressão do medo, da ansiedade e da angústia.

Quando tudo isso começou?

Quem sabe?

Será naquele instante quando se sentiu insignificante diante de um mundo adulto, imenso, frio e conturbado?

Os pais correndo apressados, tão atarefados, tão responsáveis com seus horários, com seus negócios, com suas vidas... não tem tempo para “olhares”.

E você? Então? Como é? Começou a sentir prazer em subtrair pequenos objetos e que depois se arrependia e os jogava fora, como numa tentativa de se purificar.

Amedrontava-se?  Ficava com culpa, vergonha e dor... Que tripé!

É... uma alma pede pouco, quem sabe um pouco mais de cuidado, um pouco mais de afeto.  Só isso!

Senão, mais tarde é necessário muito mais, é necessário tratamento psicológico, medicamentoso com fármacos que combatem a ansiedade e a depressão.

É possível a prevenção, e esta se expressa no olhar, na fala, no diálogo, na comunicação clara, na qualidade dos afetos e dos relacionamentos.

Nosso olhar deve ser ampliado 360º para compartilhar o amor, demonstrá-lo e ratificá-lo se necessário for.

Nada substitui o afago de uma mão, a ternura de um olhar e a doçura de uma palavra.

Ame... Respeite... Cuide... Eduque... Converse... Observe... Observe... Observe... SEMPRE!




Deijone do Vale
Neuropsicóloga

Um comentário:

  1. Dra. Deijone, mais um excelente post, é um alerta para nós pais estarmos mais atentos aos olhares sedentos de carinho de nossos filhos em meio a um mundo agitado.

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